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Textos

Longa Jornada

Ai! Lá vem ele! Se chegar mais perto vou correr para o outro lado da rua.

Quando criança sempre tive a mesma reação, o mesmo medo, a mesma pressa em me afastar, cada vez em que o encontrei. Caminhando de forma rápida, todo de branco cruzava nosso bairro, alheio ao seu movimento e às pessoas.

Homem magro, de média estatura, cabelos grisalhos, caídos na altura do ombro, algo desgrenhados, barba longa, também grisalha, despontada, destoando da aparência restante. Calça, camisa, meias e sapatos sempre brancos e de aparência impecável, imaculados à distância. Totalmente absorto e com pressa, como alguém atrasado para um compromisso. Sempre sisudo, olhar perdido à frente, como se houvesse um objetivo maior a ser a cumprido, um trajeto longo a ser percorrido, sem nunca esboçar uma reação ao cruzar com os passantes.

Na minha preocupação em ser rápida, em me afastar e assustada, o olhava de soslaio, detalhando sua figura ao longo de cada encontro. Nas mãos, segurava firmemente uma espécie de maleta, com laterais de vidro, cédulas de diferentes países e de aparência antiga, além de moedas, coladas no vidro ou soltas na maleta.

Na sua camisa espécies de botons, ou pregadores coloridos, reluziam ao sol, de forma multicolorida, alguns deles pendurados também na gravata. Alguns se assemelhavam a bandeiras de países, que pela distância, eu tinha dificuldade de identificar.

Na minha casa nós o chamávamos de “santinho”. Por alguns dias ele era constantemente visto e depois, como mágica desaparecia, por semanas ou meses. Alguns relatavam tê-lo visto no centro da cidade, ou outros bairros, sempre cumprindo sua longa jornada.

O medo foi passando e a curiosidade aumentando. Quem seria? Qual seu destino? Sua profissão? Certamente caminhava e vislumbrava quase toda Porto Alegre, percorrendo as ruas taciturno, silencioso, rápido, em busca de seu sigiloso destino.

Será que curtia os lugares por onde passava? Reconhecia as pessoas que sempre o reconheciam? Tinha ciência do medo que me causava? Percebia a beleza das praças, curtia os jardins, os pássaros, sua arquitetura? Ou apenas transitava perdido em algum objetivo maior que apenas ele conhecia? Em uma suposta solidão de andarilho que uma multidão encontrava, mas nenhuma sorridente face ou mão fraterna se estendia. E se houvessem mãos estendidas e sorrisos, ele perceberia?

Jane Ulbrich
31/08/2016

 

 


 


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